sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O papel principal

Uma popular e badalada música, em tons estridentes, exalta o papel principal. Numa voz menos melodiosa, mais áspera, a Ordem dos Enfermeiros recupera o papel principal. O papel principal que faz a capa de revista, que se constitui o mais brilhante e pomposo na apresentação de qualquer filme.
Cuidar, no entanto, é um filme, uma música, um artigo, que se foca numa acção, recheada de papéis, todos principais, todos secundários, todos dignos de prémio.
Mas ofusca a necessidade de diferenciação. Entre os enfermeiros há o papel principal? Há um enfermeiro mais enfermeiro? Há saberes da arte de cuidar mais importantes que outros?
E se não há, que houvesse uma música, um filme, que enaltecessem o rotundo NÃO.
Todos os enfermeiros cuidam, em diversas fases, de diversas perspectivas. Na Urgência, nos Cuidados Intensivos, nas salas de Hemodiálise, nos Domicílios, entre tantos outros desenrolam-se saberes distintos, nenhum deles menos importante, todos eles fundamentais para aqueles que são cuidados.
Aceitamos, no entanto uma cruel distinção, e na folha salarial, parca para todos, há uma dicotomia demasiado doloroso para esta importância global de todo os conhecimentos.
Lado a lado, a cuidar numa noite pode estar um enfermeiro cujo vencimento base ronda os 900 euros mensais, com um vinculo precário, sem direito a compensação por trabalho nocturno, e um enfermeiro quadro de função pública, com vencimento de 1500euros e remunerado pelo trabalho nocturno. Alguns deles é indispensável? Não. Alguns deles cuida menos? Não. A paixão por cuidar essa não se quantifica.
Um dia a Enfermagem avançou para ser ciência reconhecida, saiu da penumbra do bacharelato para o brilho da licenciatura. Na altura os enfermeiros remeteram-se à sua pequenez. Ganhar como licenciados só quando todos o fossem, esquecendo que as garantias de hoje raramente são válidas amanhã. Medo dos "bichos licenciados" que aí vinham. Hoje, no entanto são estes nossos defensores da igualmente que aceitam colegas em condições vergonhosas.
A responsabilidade de ser enfermeiro excede em muito o que é remunerado. A tentativa de ser justo tem no entanto de exceder os ordenados criminosos que se oferecem. E tem de encontrar nos enfermeiros uma posição forte que nunca existiu.
Preocupamo-nos não em que todos sejamos reconhecidos, mas que cada um seja mais reconhecido que o vizinho do lado. Assim se percebe que se aceite um licenciado em enfermagem ganhar metade de um licenciado em qualquer outra área, ser usado, explorado, espezinhado, sustentado apenas pelo gosto, pelo ideal, pela paixão de cuidar.
Cabe igualmente a uma Ordem determinar aquilo que é um emprego digno de um enfermeiro, para que se proteja da ingenuidade os novos enfermeiros, para que se abram os olhos aos egoistas enfermeiros acomodados.
Quando se cuida não há um herói, há uma equipa de heróis, e o saber da enfermagem nasce do saber de cada um. Agora questionem-se quanto ganha o colega ao vosso lado, que regalias tem?
Igualdade é a coragem dos mais velhos agora mostratem que acreditam na enfermagem e não se andaram somente a aproveitar dela. Igualdade é a coragem dos mais novos recusarem ser enfermeiro de forma indigna.
O papel principal é atribuído aos 65000 que querem cuidar!

1 comentário:

  1. O Papel Principal !!!!! A Adelaide Ferreira numa voz bastante estridente já o retratou ... Assim está a nossa Enfermagem , centrada no eu , afastada do coletivo e a dividir para reinar. O problema da Enfermagem vai ser bastante difícil de resolver, pois , os acomodados são muitos ,os egoistas muito mais e os conformados revoltam todos os restantes que querem lutar por um futuro melhor.A culpa da classe estar como está é nossa, simplesmente nossa. Quando todos sem excepção tivermos coragem de gritar ao MUNDO quem somos aí sim, todos seremos PRINCIPAIS ... Hoje eu também sou uma Enfermeira Indignada. (Sara Ribeiro)

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