sexta-feira, 30 de março de 2012

O roubo (em suaves prestações)

Ser enfermeiro, mais do que uma profissão ou ocupação, é uma entrega única. O esforço físico, cognitivo e emocional é levado ao máximo em cada momento. Ser enfermeiro é estar presente em todas as fases de vida, seja de nascimento, de morte, de saúde, de doença, de alegria, de tristeza.
Ser enfermeiro já tem inerente, e infelizmente assim o é, ser uma profissão remunerada injustamente e com vínculos que primam por uma crescente precariedade.
Nos hospitais de Portugal, salvo os profissionais mais antigos, apenas os enfermeiros deixaram de pertencer aos quadros da Função Pública, fustigados pelos cortes e retenções e nunca beneficiados pelas regalias de qualquer funcionário público.
As EPE's e algumas das parcerias publico-privadas trouxeram os vínculos para um rating oscilante entre o "miserável" e o "vergonhoso".
No entanto, nunca o roubo adquiriu proporção mais flagrante do que aquela que agora toma. O Hospital S.Francisco Xavier, integrante do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental vem exigir aos enfermeiros contratados a restituição de horas pagas em valor indevido desde 2008. Um erro informático frisam eles, um roubo descarado frisam os enfermeiros.
Os montantes chegam a ascender ao milhar de euros, que a instituição informa cobrar em suaves prestações. Não há explicação para além do erro informático (imagine-se a competência necessária para que a detecção de um erro se faça após 4 anos), não há possibilidade de argumentação, não há uma plataforma de entendimento. Há uma cobrança coerciva de dinheiro a quem cuida dos utentes!
O Silêncio impera na defesa dos enfermeiros. Uns aceitam, resignados, outros reclamam, mas resignam-se na mesma. Pequenas nichos se formam procurando arquitectar uma defesa, vozes discordantes aqui e ali, atemorizados sempre pelo fantasma do despedimento fácil. 
A Ordem, com conhecimento, ainda não se ouviu, o Sindicato age de igual forma, com a agravante de que só se disponibiliza para defender os sindicalizados (no seu abrangente horário de atendimento de 1 dia por semana). Ninguém fala, perante um roubo aqueles que constituem cerca de 60 a 70% da força de trabalho de todos os Hospitais. 
Ser enfermeiro é um privilégio, mas quem cuida não o pode fazer apenas por bondade, é igualmente uma profissão. Caridade fazem os enfermeiros, com a responsabilidade que têm, a ganhar o que ganham.
Uma luz ténue se acende. O Bloco de Esquerda vai colocar ao ministro da Saúde (o tal a quem o Bastonário não teve coragem de criticar) um pedido de esclarecimento sobre esta situação. Afinal a injustiça é por demais evidente aos olhos de todos, tal como é o valor inigualável da enfermagem.
Que se ergam as vozes, sem medo. Hj é a devolução de horas mal pagas, amanhã é (mais) um corte nos salários, mais horas semanais, menor rácio de enfermeiros. Hoje é o dia de falar, pois amanhã até a voz nos roubam

terça-feira, 6 de março de 2012

A Missiva da Ordem

Hoje recebi no correio, como todos os enfermeiros devem estar a receber, uma missiva da Ordem cujo envelope tinha impresso a letras maiúsculas e a vermelho "ASSUNTO IMPORTANTE".

Abri a carta curioso com o que continha no seu interior e juntamente com a factura mensal, vinha uma convocatória para uma assembleia geral ( uma forma de dar voz a todos os enfermeiros que possam estar presentes ou se façam representar) e uma outra folha com mensagens importantes. Li, reli, sublinhei e retive indignado esta única mensagem de um conjunto de folhas: a mensagem ASSUNTO IMPORTANTE referia-se tão somente ao comando: PAGUEM AS QUOTAS!

Sim, resumindo aquele conjunto de palavras tudo se resume ao pagamento das quotas e nesse sentido retirei as seguintes ilações:

- A Ordem diz que temos que pagar as quotas no valor indicado e votado em assembleia , utilizando um regulamento para dar mais ênfase a esta informação como se não soubéssemos se não pagássemos as quotas, não teríamos a cédula profissional renovada;

- O valor das quotas foi actualizado e manter-se-á para permitir a "melhor utilização e administração de recursos da Ordem" (lamento que os mesmos não venham lá discriminados, pois ainda não percebi ao que se referem quando abordam a palavra recursos" e então surgem as novas medidas de optimização, que de facto reduzem custos e impacto ambiental, mas contrariam a justificação do aumento das quotas.

Ora vejamos: a factura passa a ser electrónica (logo não há gastos com envelopes, taxas de correio, tinteiros, papel); a famosa revista da ordem que mais parece um catálogo de viagens realizadas pelos membros da Ordem passa a ser digital e enviada para os membros (logo não há custos de impressão, envio, apesar de os custos destas grandes viagens e eventos continuar a ser financiado pelas nossas quotas). 

Assim questiono, então para que serve o aumento do valor mensal deliberado se ao mesmo tempo há uma diminuição do que se gasta com os membros?

Ao mesmo tempo assumem que toda a comunicação futura será via electrónica, mais cómoda e eficaz e acessível, tal como publicitam o novo site com uma área reservada optimizada. Parabéns por tal, grande iniciativa facilitadora.

Mas cara Ordem, numa altura de grandes dificuldades que questiono: não seria uma mais valia terem revisto o valor das quotas tendo em conta as dezenas de milhar de enfermeiros sem emprego, sem nunca terem trabalhado e que se vêm OBRIGADOS a pagar um quota sem nada ser feito por eles? Que fazem vocês com o valor que eles pagam para mudar esta situação? Porque não pagam quotas os enfermeiros que exercem funções ou iniciam pagamento aquando início de carreira profissional activa?

Nesta mesma página de grandes novidades, de proximidade com os membros esquecem-se de dizer que apesar das melhorias da comunicação, não têm o cuidado de avisar os enfermeiros no final de cada ano, que se não pagarem pelo menos 11 meses de quotas vêm a sua cédula caducada sem qualquer aviso prévio! Andam assim, milhares de enfermeiros a exercer funções sem cédula activa e que são obrigados a ligar para Ordem (claro que o telefonema é pago pelos membros) a averiguar o que se passa e a pagar uma taxa de 9,98€ para reactivar a cédula.

 Pergunto se a Ordem avisasse a tempo (não contando com o aviso na factura dos meses em atraso), referindo a regra dos 11 meses de pagamento,não evitaria este pagamento desta taxa? Ou é conveniente a esta mesma Ordem receber este bónus todos os anos pelos milhares de facturas que não foram liquidadas atempadamente?

Cara Ordem, de facto quer mudar a comunicação com os seus membros, torná-la mais eficaz e eficiente, pelo qual vos parabenizo, mas será que o está a fazer da forma mais adequada? Ou somente para responder aos vossos propósitos invés dos propósitos dos membros?

Obrigado pela Missiva... Mas já há alguns anos que em poucas palavras e sem tanto alarido, sei que tenho as quotas para pagar!