3,96€! É este o valor da
discórdia; o valor que colocou a enfermagem na boca do povo. O valor que
pareceu ter o condão de abrir os olhos a quem sempre os quis fechar.
Os enfermeiros constituem a maioria da força de trabalho das unidades de saúde, garantindo o seu funcionamento. Garantem os cuidados de saúde à população, afinal um dos direitos essenciais por que tanto lutámos, geração após geração.
Os enfermeiros ajudam a nascer, ajudam a morrer com dignidade, cuidam os doentes, ensinam os saudáveis. Abdicam de noites repousantes no seu lar, abdicam de Natais em família, abdicam de amigos com horários fixos, abdicam de uma profissão segura, isenta de riscos.
Os enfermeiros vivem o cuidar, concluem a sua licenciatura, mas mantém a sede de aprendizagem permanente: assim o exige cuidar alguém. Vivem o cuidar desgastando-se, vivem-no não obstante o risco elevado de lesões na coluna dorsal, de acidentes profissionais, de agressões de doentes agitados, confusos, zangados.
Os enfermeiros executam o plano delineado para cada doente, pois é nas suas mãoes que ganham forma as acções de cuidar, são as suas mãos que ligam máquinas de hemodiálise, que administram medicação; é pelas suas mãos, junto às do doente que se transmite coragem e esperança.
Os enfermeiros são, no entanto, o maior obstáculo ao seu reconhecimento; remetem-se demasiadas para a sombra, alegrando-se com a cura de quem cuidam, mas sendo invisíveis para o exterior. Remetem-se demasiadas vezes para um papel sem importância que não é o deles, têm uma dificuldade herculeana em perceber o quanto é vital o seu papel, e, como tanto apraz À cultura portuguesa, acomodam-se.
O chocante não são os 3,96€, o chocante são já os 8€ que se ganham há vários anos. O chocante é uma licenciatura com o seu carácter científico e com idoneidade para se regular, ser remunerada abaixo da tabela salarial de qualquer outra carreira do exercício público.
Chocante é o espanto geral, quando os mesmos 4 ou 5€ são o valor que remuneram os enfermeiros há já largos anos na região Norte, onde o excedente de enfermeiros há muito se faz sentir; Chocantes são as vozes da Ordem e do Sindicato que se levantam, sobre um problema que ecoa nas paredes das instituições de saúde há demasiados anos.
Este é apenas mais um triste episódio, mais um apenas, diferente porque quem o notou não foram enfermeiros, foram jornalistas. E essa é a única diferença, pois o problema, o da subvalorização dos cuidados de enfermagem, esse existe desde sempre.
O dedo aponta-se ao governo; na verdade com a duplicação das taxas moderadoras e a redução das remunerações aos profissionais de saúde, o sistema nacional de saúde continua falido, mas insistem na farsa de que é nos vencimentos dos humildes trabalhadores que está o problema. Mas neste caso o governo lançou um concurso com um preço base de 8,50€ e a decisão de oferecer menos foi das empresas concorrentes.
O dedo, esse, deveria desviar-se também para nós próprios, os enfermeiros. Os mais velhos recearam os licenciados, preferiram nivelar a carreira por baixo, e agora regozijam-se por terem privilégios de função pública que outros nunca tiveram ou terão. Os mais novos, ávidos do 1º emprego, aceitam qualquer condição ou remuneração, nivelando ainda mais por baixo a tabela salarial. Todos, mergulharam num comodismo, confortados os que têm empregos estáveis, resignados os que têm contextos difíceis e injustos. As greves, essas, são um desfile de autocolantes e cartazes de uma dúzia de personagens que nada dizem a quem trabalha, são um exercício patético que demonstra não a força da enfermagem e o quanto os seus cuidados são essenciais, mas apenas que nem a consciência do nosso próprio poder e valor temos.
O dedo que paire igualmente sobre os enfermeiros que detêm muitas destas empresas de prestação de serviços, explorando cruelmente colegas mais novos, colegas que tudo fazem para exercer.
Falta uma posição forte e apaixonada, uma posição com a mesma força com que defendemos os doentes, com o mesmo empenho com que os cuidamos. Falta união, em tempos actuais do "salve-se quem puder", que os bem instalados enfermeiros funcionários públicos vão à luta pelo reconhecimento da profissão, que os recém-licenciados percebam a enorme responsabilidade de ser enfermeiro e que aceitar qualquer remuneração é destruir a perspectiva de fortalecimento da enfermagem.
Os olhos, esses só não viram até agora o que não quiseram. Esteve sempre ao alcance da mais pequena espreitadela os valores de 700/800€ mensais pagos no Hospital de Loures e Cascais, os 1/2€ por hora pagos a enfermeiros em clínicas de hemodiálise, a precariedade de contratos que nem contemplam protecção contra acidentes de serviço.
Os olhos, esses, há muitos anos vêem proliferar escolas de enfermagem num mercado cada vez mais saturado, vêem sair destas escolas jovens idealistas que sem apoio, sem noção da responsabilidade, aceitam qualquer (má) oportunidade.
Os olhos, os de toda a população, esses sim têm de ser abertos. Têm de perceber que 3,96€ é o valor que querem atribuir a uma profissão onde o erro não tem lugar, onde o lapso coloca em risco a vida de outro. Temos, nós, enfermeiros, e eles, de perceber que não há local algum onde se trate da doença ou onde se promova a saúde, que sobreviva sem enfermeiros.
Haja coragem para uma posição firme, para uma mensagem ambiciosa, para uma atitude finalmente sem egoísmo. A luta não é apenas contra os 3,96€, a luta é por uma remuneração como licenciados que somos, como pedras basilares que somos da saúde de todos.
Triste é que o mediatismo não advenha de uma denúncia de enfermeiros, estes aceitaram pacatamente a remuneração. Teve de vir de outros, aqueles que não sendo enfermeiros, consideram este valor um insulto, sem sequer saberem de metade daquilo que um enfermeiro faz.
Os enfermeiros constituem a maioria da força de trabalho das unidades de saúde, garantindo o seu funcionamento. Garantem os cuidados de saúde à população, afinal um dos direitos essenciais por que tanto lutámos, geração após geração.
Os enfermeiros ajudam a nascer, ajudam a morrer com dignidade, cuidam os doentes, ensinam os saudáveis. Abdicam de noites repousantes no seu lar, abdicam de Natais em família, abdicam de amigos com horários fixos, abdicam de uma profissão segura, isenta de riscos.
Os enfermeiros vivem o cuidar, concluem a sua licenciatura, mas mantém a sede de aprendizagem permanente: assim o exige cuidar alguém. Vivem o cuidar desgastando-se, vivem-no não obstante o risco elevado de lesões na coluna dorsal, de acidentes profissionais, de agressões de doentes agitados, confusos, zangados.
Os enfermeiros executam o plano delineado para cada doente, pois é nas suas mãoes que ganham forma as acções de cuidar, são as suas mãos que ligam máquinas de hemodiálise, que administram medicação; é pelas suas mãos, junto às do doente que se transmite coragem e esperança.
Os enfermeiros são, no entanto, o maior obstáculo ao seu reconhecimento; remetem-se demasiadas para a sombra, alegrando-se com a cura de quem cuidam, mas sendo invisíveis para o exterior. Remetem-se demasiadas vezes para um papel sem importância que não é o deles, têm uma dificuldade herculeana em perceber o quanto é vital o seu papel, e, como tanto apraz À cultura portuguesa, acomodam-se.
O chocante não são os 3,96€, o chocante são já os 8€ que se ganham há vários anos. O chocante é uma licenciatura com o seu carácter científico e com idoneidade para se regular, ser remunerada abaixo da tabela salarial de qualquer outra carreira do exercício público.
Chocante é o espanto geral, quando os mesmos 4 ou 5€ são o valor que remuneram os enfermeiros há já largos anos na região Norte, onde o excedente de enfermeiros há muito se faz sentir; Chocantes são as vozes da Ordem e do Sindicato que se levantam, sobre um problema que ecoa nas paredes das instituições de saúde há demasiados anos.
Este é apenas mais um triste episódio, mais um apenas, diferente porque quem o notou não foram enfermeiros, foram jornalistas. E essa é a única diferença, pois o problema, o da subvalorização dos cuidados de enfermagem, esse existe desde sempre.
O dedo aponta-se ao governo; na verdade com a duplicação das taxas moderadoras e a redução das remunerações aos profissionais de saúde, o sistema nacional de saúde continua falido, mas insistem na farsa de que é nos vencimentos dos humildes trabalhadores que está o problema. Mas neste caso o governo lançou um concurso com um preço base de 8,50€ e a decisão de oferecer menos foi das empresas concorrentes.
O dedo, esse, deveria desviar-se também para nós próprios, os enfermeiros. Os mais velhos recearam os licenciados, preferiram nivelar a carreira por baixo, e agora regozijam-se por terem privilégios de função pública que outros nunca tiveram ou terão. Os mais novos, ávidos do 1º emprego, aceitam qualquer condição ou remuneração, nivelando ainda mais por baixo a tabela salarial. Todos, mergulharam num comodismo, confortados os que têm empregos estáveis, resignados os que têm contextos difíceis e injustos. As greves, essas, são um desfile de autocolantes e cartazes de uma dúzia de personagens que nada dizem a quem trabalha, são um exercício patético que demonstra não a força da enfermagem e o quanto os seus cuidados são essenciais, mas apenas que nem a consciência do nosso próprio poder e valor temos.
O dedo que paire igualmente sobre os enfermeiros que detêm muitas destas empresas de prestação de serviços, explorando cruelmente colegas mais novos, colegas que tudo fazem para exercer.
Falta uma posição forte e apaixonada, uma posição com a mesma força com que defendemos os doentes, com o mesmo empenho com que os cuidamos. Falta união, em tempos actuais do "salve-se quem puder", que os bem instalados enfermeiros funcionários públicos vão à luta pelo reconhecimento da profissão, que os recém-licenciados percebam a enorme responsabilidade de ser enfermeiro e que aceitar qualquer remuneração é destruir a perspectiva de fortalecimento da enfermagem.
Os olhos, esses só não viram até agora o que não quiseram. Esteve sempre ao alcance da mais pequena espreitadela os valores de 700/800€ mensais pagos no Hospital de Loures e Cascais, os 1/2€ por hora pagos a enfermeiros em clínicas de hemodiálise, a precariedade de contratos que nem contemplam protecção contra acidentes de serviço.
Os olhos, esses, há muitos anos vêem proliferar escolas de enfermagem num mercado cada vez mais saturado, vêem sair destas escolas jovens idealistas que sem apoio, sem noção da responsabilidade, aceitam qualquer (má) oportunidade.
Os olhos, os de toda a população, esses sim têm de ser abertos. Têm de perceber que 3,96€ é o valor que querem atribuir a uma profissão onde o erro não tem lugar, onde o lapso coloca em risco a vida de outro. Temos, nós, enfermeiros, e eles, de perceber que não há local algum onde se trate da doença ou onde se promova a saúde, que sobreviva sem enfermeiros.
Haja coragem para uma posição firme, para uma mensagem ambiciosa, para uma atitude finalmente sem egoísmo. A luta não é apenas contra os 3,96€, a luta é por uma remuneração como licenciados que somos, como pedras basilares que somos da saúde de todos.
Triste é que o mediatismo não advenha de uma denúncia de enfermeiros, estes aceitaram pacatamente a remuneração. Teve de vir de outros, aqueles que não sendo enfermeiros, consideram este valor um insulto, sem sequer saberem de metade daquilo que um enfermeiro faz.
Tiago Pinheiro
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