segunda-feira, 18 de junho de 2012

Entre o fazer e dizer que se fez

A actual situação de um país em queda livre e de um mundo a braços com a inviabilidade do sistema económico que inventou, leva a um espaço de reflexão curto; leva a uma realidade de decisão breve, de decisão corajosa e intransigente, sob pena de ideias e ideais serem depurados e rapidamente esquecidos eternamente.
A Enfermagem vive no epicentro de um turbilhão: o Sistema Nacional de Saúde. Os cortes no mesmo atingem cada indivíduo no âmago não apenas do seu bem estar mas igualmente da sua dignidade. Numa politica cega de cortes tem sido à enfermagem que se tem imputado a maior severidade. E para além das feridas infligidas por nós próprios, como a multiplicação de cursos de enfermagem, sofremos agora as mais dolorosas flagelações. O trabalho de enfermagem é desvalorizado pelo rating do poder político, numa altura em que nunca foi tão vital ter enfermeiros competentes e motivados para garantir os cuidados de saúde.
Diariamente, e para quem preste atenção, são múltiplos os atentados à dignidade da ciência e arte da enfermagem. Salários hilariantes, competências em permanente risco, chantagem patronal frequente, limitação dos meios para cuidar entre outras ferem a vista a quem tenha a coragem de abrir os olhos para um vislumbre somente.
Temos uma vantagem, comparando com funcionários de comércio, operadores de caixas de hipermercado, mecânicos entre outros: temos uma Ordem com capacidade legal e jurídica para regular a profissão, para ser o nosso rosto perante o poder politico. A vantagem, no entanto tem sido de pouca utilidade nos 14 anos de existência de Ordem. Assistimos à inércia de uma Ordem confinada às paredes dos seus luxuosos edifícios, a usufruir das suas luxuosas porcelanas, conferindo-nos o privilégio de opinar sobre realidades que desconheciam completamente. 
Vivemos falsos mitos como a falta de enfermeiros ser corrigido com a formação em catadupa e não com a discussão de dotações, como a enfermagem ser uma ciência reconhecida entre outros. A vantagem tornou-se um fardo, económico, emocional, porque pior do que estar sozinha na luta é estar acompanhado de alguém que deixa a espingarda de lado e se senta enquanto nos vê lutar.
Este ano, ainda que depois de um processo que deveria ter primado pela clareza, registam-se mudanças. Com novos corpos sociais percebe-se que há vida dentro das paredes e para além dos pareceres. Há trabalho feito, há iniciativa, há movimentação pela enfermagem. Mas o deslumbramento é um perigo. Habituado a um doente em estado comatoso, não será uma reactividade à dor profunda, sim porque é isso que todos sentidos diariamente nos contextos de trabalho, que trará perspectivas animadoras.
A filosofia tem sido de uma publicitação das inúmeras acções, de um marketing firme, direccionado sempre para dentro, para os enfermeiros. Temos a sensação de que muito é feito ao percorrer os inúmeros comunicados da Ordem, os seus inúmeros mails e agora uma recém renovada revista. Temos a ideia de que alguém está disposto a pegar na arma caída ao nosso lado e lutar. Mas esta sensação esgota-se numa fracção de minutos. Mal termina o anúncio, mal se gastam as páginas da revista, mal se sabem de cor as palavras dos comunicados, voltamos à realidade, dura, cruel, exigindo uma batalha diária; uma batalha que não travamos pela nossa inércia típica, que não travamos por nos preferirmos centrar nos cuidados ao nossos utentes.
As acções não têm valor por serem publicitadas, têm valor quando sentidas. E nesta distância entre dizer que se fez e fazer efectivamente continuamos perdidos, entregues aos nossos braços sem que ninguém nos ampare ao longo do caminho.
Sentiria o abraço se não fosse o António Sala a enviá-lo pelo televisão, mas sim os elementos da Ordem a ir dar-mo ao meu local de trabalho. Sentiria que houveram reuniões com partidos políticos não por ver fotografias, mas sim por ver noticiadas propostas da Ordem com o apoio de grupos parlamentares. Sentiria que progredimos na relação com o INEM não por ver reportagens de diálogos cordiais, mas sem visse enfermeiros por exemplo novamente a gerirem as chamadas do CODU.  Sentiria que a Ordem intervinha nas condições de trabalho de quase escravatura não por percorrer o site da Ordem, mas sim por ver testemunhos de colegas recusando-se a exercer, escudados pela sua Ordem.
O estimulo existe, o doente mexe a mão, esboça um esgar de dor, procura abrir os olhos. Mais reactivo mas longe de recuperar, não respira autonomamente, toma ainda reduzida percepção do mundo. Melhor sim, mas ainda demasiado longe de estar bem.
Não há nem haverá uma enfermagem justa enquanto as decisões foram apenas publicitadas, o marketing esse guardam-no para quem não é enfermeiro, eles, alguns, é que continuam na obscuridade sobre o que fazemos.
Para nós que hajam as acções que possamos sentir, as decisões importantes que urgem tomar. Precisamos que se estabeleça um valor mínimo para que se exerça enfermagem, sob pena de nos equipararmos salarialmente a um auxiliar de acção médica, precisamos de coragem na defesa de quem se recusa a ser remunerado a 3 e 4€/hora, e precisamos de uma mentalidade forte, trabalhada desde o ensino que a responsabilidade de ser enfermeiro é demasiado importante para aceitar qualquer valor irrisório.
Precisamos que não haja uma vangloriação por a Ordem discutir as dotações nos serviços; defender um rácio de 1 enfermeiro para um máximo de 20 doentes, sem distinguir o tipo de doentes é motivo de vergonha ou então de ignorância, natural pelo afastamento de alguns elementos da Ordem da prática.Que vá o Senhor Bastonário cuidar de 20 doentes num SO de numa Urgência Geral, uns dependentes, outros ventilados.
Precisamos que surjam os rostos e ideias dos homens e mulheres com valor que foram eleitos, sim porque foram ainda bastantes. Dos rostos de sempre estamos cansados. Que emane o espírito combativo daqueles que não são enfermeiros políticos, dos enfermeiros que lutam a cada dia por si, pelos colegas e pelos seus doentes nos centros de saúde, hospitais entre outros, deste país.
Que haja sim a publicitação de esperança porque essa não temos, essa sim necessitamos, essa que não tem durado por mais do que uns trémulos lampejos de deslumbramento.
O que sentimos a cada dia mantém-se, por mais que até agora nos digam que façam. Por mais que queiram aderir um autocolante de "amigo" ao Ministro da Saúde ele continuará a ser um carrasco da enfermagem, que nos vê apenas em certos pontos como formas de poupar tostões e como armas de arremesso contra os médicos, ele continuará o ser o homem com letra bem pequenina que nas suas visitas cumprimenta médicos e olha com desdém e desprezo os enfermeiros recolhendo a sua mão e recusando qualquer cumprimento.
Por mais que queiram fazer-nos ver que o mundo está em mudança, só será verdade quando efectivamente o sentirmos, quando deixarem de dizer o que fizeram e nós sentirmos que o fizeram mesmo.
À Ordem não cabe o papel de "queixinhas" a esta ou àquela entidade, à Ordem cabe o papel de estar ao nosso lado na hora de efectivamente fazer.

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