domingo, 25 de dezembro de 2011

A prenda no Sapatinho

Os presentes desembrulham-se a ritmo frenético. Os doces, um deleite para o olhar, desaparecem com avidez. A lareira aquece, as famílias juntam-se sob o seu crepitar. A alegria reina, ainda que só nesta ocasião.
Enquanto se reunem famílias em suas casas, com maior ou menor modéstia, em outras casas se fala apenas de vida. Vidas a serem salvas, a serem perdidas, a verem os primeiros vislumbres do mundo. Vidas entregues, seja de que forma fôr nas mãos daqueles que orgulhosamente cuidam - os enfermeiros.
Não há espaço para embrulhas ou refeições elaboradas. Há tempo para sorrisos cúmplices daqueles que cuidam, longe dos que amam, para refeições breves, complementadas com o prazer de cuidar, para uma coragem que no Natal, ou em qualquer outro momento, é sempre demasiada para ser quantificada.
Ser enfermeiro é ser diferente também nestas alturas. É trazer conforto, esperança, luta, não porque é Natal, mas porque é mais um dia.
Esperamos, nós os enfermeiros, algumas prendas. Poucas, mas boas, como apregoa a gíria popular. Esperamos fazer a diferença, esperamos que não seja tão inglório, tantas vezes, tentar fazer esta diferença.
Sabemos, no entanto, que entre tantas semelhantes, este ano recebemos uma prenda demasiado amarga. Para quem se apaixona pelos cuidados de saúde o gosto é demasiado desagradável para ser disfarçado com qualquer adoçante. Nas Unidades de Saúde Familiares deste país há 1000 enfermeiros com contratos precários, que expirarão a 31 de Dezembro. 1000 enfermeiros que fazem a diferença naquela que terá de ser a aposta do futuro: os cuidados de saúde primários.
Beliscar a enfermagem equivale inequivocamente a beliscar a excelência do sistema de saúde.
A experiência do enfermeiro de família é positiva. Recupera o holismo, o cuidado em todas as fases da vida que, de forma impar, conseguimos protagonizar. Colocar em causa as inúmeras famílias servidas por estes 1000 enfermeiros é um voto grosseiro de negligência.
Este vínculo que se pretende forte e alargado a toda a família é sustentado por contratos demasiado frágeis, precários, preclitantes; Um contrassenso....
E o silêncio impera. Os utentes acostumam-se, impávidos perante o que lhes vai sendo oferecido, seja melhor ou pior (e o melhor já não vai surgindo há demasiado tempo). Os enfermeiros acomodam-se, aceitando qualquer relação laboral. A Ordem mantém a sua inércia, que interrompe apenas pontualmente, e nunca sobre o tema ou no tempo adequados.
Embrulham-se 1000 enfermeiros que caminham para o desemprego, coloca-se um vistoso laçarote de  milhares de famílias votadas ao abandono e à despersonalização dos cuidados de saúde, e temos a nossa prenda no sapatinho.
Termina a consoada, para nós um dia mais em que tentamos fazer a diferença, um dia mais em que lutamos contra a marginalização dos cuidados de saúde, a desvalorização dos enfermeiros. Não queremos bolo-rei de pastelaria barata ou cartões de boas festas, queremos RESPEITO por nós e por quem cuidamos.

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